quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O Estado frente a causa individual



O ESTADO DIANTE DA CAUSA INDIVIDUAL

RESUMO

            Atualmente, todos os seres humanos são totalmente dependentes da sociedade em que vivem, devendo, portanto, submeterem-se a todas as suas prescrições. Mas, o que deve ser feito quando é exigido de um individuo uma ação que vai contra os seus princípios para obtenção de melhorias para a sociedade? Ou, mais especificamente, o que deve fazer um indivíduo quando o Estado exige dele um ato inadmissível e quando a sociedade espera que ele assuma atitudes que sua consciência rejeita? Este artigo, através de uma análise político-social da realidade, tentará responder a esta questão, com base no texto “dois tipos de liberdade” (de Isaiah Berlin) e em alguns escritos de Jean Jaques Rousseau (mais especificamente os livros “Do Contrato Social” e “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”), atrelados a um certo conhecimento de mundo e de vida social do presente autor.

PALAVRAS-CHAVE: Direito, Justiça, Liberdade, Estado, Indivíduo.

1 INTRODUÇÃO

            Desde o surgimento do Estado Social, com o respectivo aparecimento e fortalecimento da figura estatal, as pessoas tem suas ações sujeitadas e direcionadas a uma determinada direção: só são concebíveis ações que gerem proveitos para a sociedade, ou, no máximo, que não interfiram na liberdade alheia.
            Essa limitação dos atos humanos por parte do Estado acaba por gerar nos indivíduos uma dúvida constante: “Será que devo fazer aquilo que o Estado exige de mim? Ou seja, fazer tudo aquilo que eu desejar, desde que não afete o espaço de liberdade dos outros indivíduos da sociedade?”.
            Com relação a essa pergunta, ao longo dos anos, vários estudos foram feitos, e, ao final desses estudos, foi confirmado que a melhor forma (pelo menos até o presente momento) de manter a harmonia e a paz social nas sociedades humanas é justamente através de uma “restrição parcial da liberdade individual” (restrição essa que o autor Isaiah Berlin denominou liberdade negativa).
            Com a confirmação de que o melhor para a sociedade é a cessão de parte dos direitos e das liberdades individuais, surgiu instintivamente na população outro questionamento, que será o ponto abordado neste artigo: “O que deve ser feito quando o Estado exige de um indivíduo um ato inadmissível e quando a sociedade espera que ele assuma atitudes que sua consciência rejeita?”, ou seja, o que fazer quando o Estado exige de alguém algo que vai contra todos os valores e princípios que esse alguém acumulou durante uma vida toda?
            Para responder a esta indagação, primeiramente far-se-á uma breve exposição sobre a liberdade positiva e a negativa; seguida de uma apresentação de alguns dos pensamentos de Jean Jaques Rousseau. “O que se verá, por fim, é a evidência da contradição, não insolúvel, entre o Direito e a Justiça. Quem viver, verᔹ.

2 LIBERDADE POSITIVA OU LIBERDADE NEGATIVA?

            De acordo com Isaiah Berlin, existem basicamente dois tipos de liberdade: a liberdade positiva e a liberdade negativa. Como já foi mencionado, esta se baseia na cessão de parte da liberdade individual para a obtenção de um bem maior (a unidade e a ordem social). Já a liberdade positiva consiste em uma consciência pessoal, representada pela máxima “não faças com o outro aquilo que não quiseres que lhe façam”. Assim, a liberdade negativa está atrelada à obrigação estatal (pois o Estado é o Ente que, segundo os pensadores clássicos da política – principalmente Hobbes, Locke, Rousseau e Montesquieu – é o responsável pela manutenção da paz social), ao passo que a liberdade positiva está ligada a uma consciência moral, própria, como diria Maquiavel, dos cidadãos detentores de virtù; sendo, portanto, uma melhor opção do que a liberdade negativa.
            Entretanto, como se sabe, o mundo do “dever ser” é diferente do mundo do “ser”. Assim, a chance de a liberdade positiva vir a ser concretizada é tão grande quanto a chance de um regime comunista vir a se tornar realidade (e, na verdade, é importante destacar que a liberdade positiva só é cabível em regimes tais quais o comunismo, ou o anarquismo), ou seja, é uma chance quase nula de ela vir a existir de fato. Por isso, deve-se continuar vivendo (enquanto não for encontrado outro método mais eficaz) sobre o “regime” de liberdade negativa.

3 ROUSSEAU E A IGUALDADE (OU DESIGUALDADE) DOS INDIVÍDUOS

            Segundo Rousseau, a desigualdade entre os homens decorre de alguns fatores principais, sendo eles: o domínio da agricultura e da metalurgia, o aparecimento da família e a consequente formação da propriedade privada. E, ao longo do tempo, as desigualdades tendem a aumentar de forma progressiva, até que se tornam tão amplas que se faz necessário uma igualação, a fim de restabelecer a ordem social.
            Por mais paradoxal que pareça essa indagação de “igualar a partir de uma desigualdade”, é fácil explicá-la da seguinte forma: Rousseau aponta que, no momento em que certa quantidade de pessoas acumula determinado poderio econômico, essa parcela de indivíduos passa a temer a grande maioria que se encontra em uma posição social inferior, e, através de certos métodos (provavelmente um simples discurso), essa minoria detentora de uma grande propriedade convence aos outros de que, para garantir a segurança e a liberdade dos indivíduos, faz-se necessário que seja formado um pacto legítimo, através do qual os homens, cedendo parte de sua liberdade, ganham em troca a liberdade civil. E, no momento de firmação desse contrato, todos os indivíduos encontram-se, pelo menos em teoria, em um estado de igualdade.
            É evidente que, nesse caso, em vez de igualdade, fez-se presente na verdade uma grande desigualdade, pois a formação do Estado Civil apenas atenuou as diferenças entre os indivíduos, e, mais do que isso: com a submissão de todos ao poder estatal, agora os “grandes proprietários” estavam protegidos pelo Todo-Poderoso Estado Civil!
            Comumente, se esse aspecto fosse explorado mais a fundo neste trabalho, preencheria diversas laudas e culminaria em diversas voltas prolixas, que não acrescentariam muito para o objetivo desse artigo, que é responder a pergunta inicial sobre a causa individual diante do Estado. Por hora, basta que se saiba que Rousseau explica a legitimidade do poder soberano, mostrando que ele é fruto de um consenso popular, sendo portanto uma submissão das vontades pessoais à vontade geral, descartando assim, na maioria dos casos, à vontade de um individuo particular ou de um grupo especifico de indivíduos; ou seja, no Estado Civil o lema é “um por todos e todos pela sociedade”.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Conforme foi exposto, o ser humano vive em sociedade. E, habitualmente, essa forma de vida acaba por transformar o homem em um ser totalmente dependente da sociedade em que vive; tendo, dessa forma, que se submeter a todas as prescrições advindas do Estado, independentemente de tais prescrições irem ou não de encontro aos seus ideais e a sua moral, pois a moral coletiva está acima da moral individual. Assim é a vida em sociedade e é dessa forma que o processo deve ser concretizado: o Estado manda e o individuo obedece!
            Entretanto, por mais que o campo das proposições científicas aponte tais caminhos (de submissão e de aceitação de tudo aquilo que vier da figura do Estado) como os melhores para alcançar o bem social, existem pessoas (entre as quais, os autores deste artigo) que pensam de forma diversa:
            Essa redução de todas as contradições do mundo social a essa simples alternativa (representada pela liberdade negativa e consequente sanção pela sua violação) termina mecanizando a população, transformando pessoas em máquinas, homens em robôs, e o Estado em um Deus. Mas não é dessa forma que as coisas devem funcionar! O Estado é uma criação humana! Ele não pode superar seu criador, ao ponto de até mesmo subjugá-lo! Uma representação do povo não deve ir de encontro ao verdadeiro bem social, representado pela máxima rousseauniana, símbolo da revolução francesa – liberdade, igualdade e fraternidade!
            É evidente que a sociedade, em sua maioria, termina por ser maleável aos interesses estatais (principalmente quando há interferência da mídia), mas, para reverter essa situação, basta que exista uma conscientização popular, seguida de necessárias reformas na administração do poder estatal, que hoje se afigura como poder supremo (ao lado do poder judiciário), que se julga onipresente, onisciente e onipotente frente à causa individual.
            Por fim, conclui-se o presente trabalho com a reafirmação da esperança inquebrantável na Justiça e em um mundo melhor, no qual as pessoas não serão reguladas por um poder soberano, mas mesmo assim viverão de forma harmônica, independentemente de punições, sanções, ou qualquer outro nome que os juristas queiram dar as atuais formas de “exclusão social”² do individuo. Um mundo em que, conforme dizia Charles Chaplin, seja assegurado futuro à juventude e segurança à velhice. Quem sabe isso um dia venha a concretizar-se, e todos possam viver felizes. Quem viver, verá.

REFERÊNCIAS

BERLIN, Isaiah. Quatro ensaios sobre a liberdade. Trad. De Wamberto Hudson Ferreira. Brasília: Universidade de Brasília, 1981, c1969.

CHAPLIN, Charles Spencer. Discurso final do filme “O grande ditador”. Disponível em: < http://alisson-x3.blogspot.com/2010/05/o-ultimo-discurso-do-filme-o-grande.html >. Acesso em 14 de novembro de 2010.

EINSTEIN, Albert. Como vejo o mundo. Trad. De H. P. de Andrade. 11ª ed. Editora Nova Fronteira.

NASCIMENTO, Milton Meira do. Rousseau: da servidão a liberdade. In: WEFFORT, Francisco Correa. Os clássicos da política. 14ª ed., São Paulo: Ática, 2006.

NEIVA, Gerivaldo Alves. O julgamento de Lampião, divagações entre o real e a utopia. Disponível em: < http://gerivaldoneiva.blogspot.com/2010/08/o-julgamento-de-lampiao.html >. Acesso em 14 de novembro de 2010.

ROUSSEAU, Jean Jaques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Tradução: Paulo Neves. Coleção L&PM Pocket, 704. Junho de 2008.

ROUSSEAU, Jean Jaques. Do Contrato Social. Tradução: Pietro Nassetti. Coleção Obra Prima de Cada Autor, 46. Editora Martin Claret, 2007.

SADEK, Maria Tereza. Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual de virtù. In: WEFFORT, Francisco Correa. Os clássicos da política. 14ª ed., São Paulo: Ática, 2006.


[1] Frase do Juiz de Direito da Comarca de Conceição de Coité – Bahia, Gerivaldo Alves Neiva, utilizada na crônica “O Julgamento de Lampião, divagações entre o real e a utopia”.
[2] Como se sabe, hoje em dia poucas sanções são do tipo restitutivas, assim, acredito que o verdadeiro ideal de justiça se perdeu em algum lugar do tempo. Talvez na passagem do Estado Natural para o Estado Moderno, ou em algum outro lapso temporal ainda desconhecido. Mas, enquanto houver humanidade, ainda haverá esperança.
  
Artigo científico apresentado ao Centro de Ensino Unificado de Teresina como requisito para a obtenção da nota referente à segunda avaliação da disciplina de Ciência Política, do curso de bacharelado em Direito.

Orientador: Prof. Robert Bandeira.

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