domingo, 23 de maio de 2010

O Santo Guerreiro contra o dragão da maldade




Sempre tive pena de São Jorge, condenado eternamente a lutar com o dragão, a luta que nunca chega ao fim, criança, eu imaginava que ele deveria ter mulher e filhos e que gostaria de poder voltar para casa, para cuidar das coisas do amor e do prazer. Foi então que um velho contador de estória, especialistas em memórias perdidas, me revelou o terrível segredo. São Jorge brigava com o dragão porque queria. Bem que tinha tido uma chance de terminar com seu suplício sem fim. E relatou:


Era uma vez, há muito tempo, um jovem guerreiro se apaixonara por uma linda donzela. Tão bravo e belo ele era que, das vizinhanças; todas as mulheres por ele se apaixonaram. Inclusive uma bruxa horrenda, que morava nos cenários desertos da lua e que, mesmo daquela distância infinita, com seus olhos telescópicos, havia contemplando o rosto do guerreiro. Mas sus olhos malvados, que tudo viam , viram também o romance do mancebo que passeava, mão dadas com sua amada, por viçosos jardins floridos. A inveja foi imensa, e lá das lonjuras lançou um feitiço: transformou a jovem princesa em dragão.

Mas foi inútil, o bravo Jorge continuo apaixonado por saber que no corpo escamoso morava a sua paixão. Mais furiosa ficou a bruxa e aumentou o feitiço. Decretou que o dragão encantado se transladace para lua, muito longe do apaixonado. Mas Jorge não se deu por vencido. Em noite de lua cheia, montado em seu cavalo, cavalgou no luar, e voou rumo á luz para a sua amada encontrar. Pobre bruxa malvada! Viu-se condenada a ver os dois apaixonados, dragão e guerreiro, bem diante de seu nariz, a namorar. E invocou o seu ultimo feitiço. “Se tu queres a tua amada de volta” ela disse ao mancebo, “Terás de dar-lhe combate. No dia em que o ferires de morte o feitiço se quebrará , e de cadáver do bicho a amada surgirá”.

E foi assim que a briga sem fim entre São Jorge e o Dragão começou. Acontece que São Jorge não acreditou e tinha sempre o temor de que, morto o dragão, morto estaria o amor. E ficou brincando de lutar. E foi por isso que a briga nunca chegou ao fim. Passaram-se os séculos, e daqui da terra se podia ver a briga entre São Jorge e o Dragão.

Acontece, entretanto, que como dizem os marxistas – e com toda razão- é na prática que se molda o pensamento. E depois de tanto lutar, São Jorge acabou por se esquecer o que significava amar. Perdeu-se como amante, congelou-se como guerreiro. Acontece que os deuses, penalizados com tal destino, resolveram desterrar a bruxa para um asteróide distante. Liberto dos olhos da bruxa, o Dragão voltou a ser o que era, a amante. Qual não foi a surpresa de São Jorge, quando, de armadura, lança e espada, pronto para a batalha, ao invés do horrendo Dragão, encontrou-se com a amada, os deuses esperavam sorrindo, este momento feliz. Mas o pobre São Jorge, depois de tanto lutar, já não sabia amar. Não quis tirar a armadura. Tinha vergonha de nudez. Não largou a espada, não deixou sua lança. Não sabia abraçar. Não sabia beijar. E o pobre guerreiro, outrora amante, compreendeu que seu destino, pelos séculos sem fim, era só lutar. Especialista em poder, nada sabia do prazer. E foi assim que orou aos deuses e lhes pediu seu último pedido: Que a linda donzela fosse de novo transformada em dragão. E é por isso que, até que o universo acabe, em noite de lua cheia, veremos o santo guerreiro lutando contra o dragão da maldade.

Estória triste. Dizem que aconteceu na lua.

Eu, ao contrário, penso que aconteceu na rua.

Pois é este o destino daqueles que, forjados na dureza da luta, quando o milagre acontece, descobrem que não sabem o que fazer com a donzela que o espera. Bem dizia Nitzesche, que é preciso o leão transforme em criança, mas que leão, animal forte, quer se ver despido, garras e juba? Melhor o poder que o prazer.

Elegemos o santo guerreiro na esperança que ele soubesse fazer amor. E descobrimos que, de tanto lutar, perdeu a imaginação de amar.

Parábola que dedico, aos santos guerreiros, destinados a lutar contra os dragões da maldade, incapazes de fazer amor com a cidade...

(Rubens Alves)

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