domingo, 3 de julho de 2011

Transcrições – A bola de neve: Warren Buffett e o negócio da vida



Transcrições – A bola de neve: Warren Buffett e o negócio da vida

Bem, abaixo transcreverei na integra o primeiro capítulo do livro “A bola de neve”, de Alice Schroeder, intitulado “A versão menos lisonjeira”; em seguida, repassarei parte do capítulo 62 do referido livro, chamado pela autora de “Cheques pré-datados”. É um livro realmente estupendo. Quando inicia-se sua leitura, não dá mais vontade de parar. Então, resolvi digitar tal qual está escrito no livro dois ótimos capítulos. Acredito que não serei processado, pois meu objetivo é unicamente repassar os ensinamentos do Oráculo de Omaha e alguns aspectos de sua vida, magistralmente escrita por Alice Schroeder no livro citado. Bem, vamos lá:

A versão menos lisonjeira

Omaha – Junho de 2003

Warren Buffett se balança para trás, na cadeira, com suas longas pernas cruzadas, atrás da mesa simples de madeira de seu pai, Howard. O caro paletó Zegna se avoluma em seus ombros, como se não tivesse sido feito sob medida. Ele usa terno o dia inteiro, todos os dias da semana, mesmo quando os outros 15 funcionários da Berkshire Hathaway se vestem de forma casual. Sua camisa, previsivelmente branca, vai até o alto do pescoço, com o colarinho justo demais se projetando sobre a gravata. Parece um resquício dos seus tempos de jovem executivo – como se ele tivesse passado 40 anos sem se lembrar de conferir o tamanho do próprio pescoço.

Suas mãos estão entrelaçadas atrás da cabeça, entre os fios grisalhos de seu cabelo. Uma mecha especialmente grande e rebelde, penteada com os dedos, salta do couro cabeludo como uma pista de esqui, fazendo uma curva para cima, na altura de sua orelha direita. A sobrancelha esquerda, desgrenhada, serpenteia por sobre os óculos de aro de tartaruga, conferindo ao seu rosto uma expressão que pode ser cética, astuta ou sedutora. Nesse instante ele mostra um sorriso sutil, o que empresta à sobrancelha rebelde um ar cativante. Mas seus olhos, azul-claros, estão concentrados e atentos.

Ele está cercado por 50 anos de recordações. No corredor do lado de fora do seu escritório estão fotografias do time de futebol americano Nebraska Cornhuskers; o contracheque por sua participação numa telenovela; a carta de oferta (jamais aceita) de compra do fundo hedge Long Term Capital Management; e suvenires da Coca-Cola. Na mesa de centro do escritório, uma garrafa clássica do refrigerante e uma luva de beisebol, num suporte acrílico. Em cima do sofá, um diploma do curso de oratória de Dale Carnegie, concedido em janeiro de 2952. A réplica de uma diligência da Wells Fargo, rumo a Oeste, está em cima de uma estante, ao lado de um prêmio Pulitzer, conquistado, em 1973, pelos jornais do grupo Sun, de Omaha, então pertencente à sua sociedade de investimentos. Livros e jornais estão espalhados por todo o escritório. Fotografias da sua família e de amigos cobrem o aparador, uma mesinha e o espaço inferior de um suporte para computador, ao lado de sua mesa. Um grande retrato do pai de Buffett paira sobre a sua cabeça na parede atrás da mesa. Ele encara todo e qualquer visitante que entre no escritório.

Embora uma manhã de fim de primavera se insinue atrás das janelas, as persianas de madeira marrom estão fechadas, bloqueando a vista. A televisão, voltada na direção da mesa, está ligada na CNBC. Está sem som, mas a faixa horizontal, na parte inferior da tela, o abastece de notícias o dia inteiro. Ao longo dos anos, para sua satisfação, elas foram muitas vezes sobre ele mesmo.

Mas poucas pessoas o conhecem bem. Eu (Alice) fiz meu primeiro contato com ele há seis anos, como analista financeira das ações da Berkshire Hathaway. Com o tempo, nós nos tornamos amigos, e agora tenho a chance de conhecê-lo melhor. Estamos no escritório de Warren porque ele não vai escrever um livro. As sobrancelhas indomáveis sublimam as suas palavras quando ele diz, repetidas vezes: Você fará um trabalho muito melhor do que eu, Alice. Que bom que é você quem está escrevendo este livro, e não eu’.

O motivo dessas palavras ficará claro mais adiante. Por ora, começamos com o assunto de que ele mais gosta.

‘Qual a explicação Warren? De onde saiu toda essa vontade de ganhar dinheiro?’

O olhar dele fica distante por alguns segundos, e seus pensamentos se voltam para dentro, como que folheando os arquivos da sua memória. Então Warren começa a contar sua história: Balzac disse que, por trás de toda grande fortuna, há um crime. Isso não se aplica à Berkshire’.

Ele se levanta da cadeira para desenvolver essa ideia, atravessando o escritório com algumas passadas. Então se senta novamente, numa poltrona com brocado dourado, e se inclina para a frente, parecendo amis um adolescente que se gaba de sua primeira namorada do que um investidor de 72 anos. O livro agora é problema meu: como interpretar a sua história, quem entrevistar, o que escrever. Ele discorre longamente sobre a natureza humana e a fragilidade da memória. Então diz: Sempre que a versão de outra pessoa for diferente da minha, use a menos lisonjeira’.

São muitas lições que ele tem para ensinar, e algumas das melhores vêm do simples fato de observá-lo. Eis a primeira: a humildade desarma.

(...)

Cheques pré-datados

Omaha e Nova York – 2004-2008

(...) Warren tinha descoberto um novo jogo, um quebra-cabeça para decifrar. Queria mais e continuava procurando oportunidades com a mesma disposição que demonstrara quando buscava apostas vencedoras nas corridas de cavalo.

Em dezembro de 2005, durante uma palestra na Havard Business School, perguntaram-lhe sobre as expectativas que ele tinha em relação ao impacto da Buffett Foundation na sociedade, já que ela seria, em algum momento, a entidade filantrópica com mais recursos em todo o mundo. Buffett respondeu que não estaria fazendo um grande favor para a sociedade ao ganhar mais dinheiro. Naqueles dias ele estava pensando mais em como distribuir dinheiro.

Ninguém disse nada. Ninguém parecia perceber que Buffett acabara de sinalizar uma radical mudança de direção.

(...) Em 26 de junho de 2006, Buffett anunciou que entregaria 85% das suas ações da Berkshire Hathaway – algo em torno de 37 bilhões de dólares na época – para um grupo de fundações nos anos seguintes. Nenhuma doação dessas proporções havia sido feita em toda história da filantropia... O homem que na época era o segundo mais rico do planeta estava dando seu dinheiro sem deixar qualquer vestígio de sua passagem. Ele tinha passado a vida inteira aumentando a bola de neve, como se ela fosse uma extensão de si mesmo, mas não estabeleceria uma Warren Buffett Foundation, uma ala hospitalar Buffett, nenhum fundo universitário com seu nome. Doar o dinheiro sem deixar nada com seu nome, sem controlar pessoalmente como ele seria gasto – colocar dinheiro nos cofres de outra fundação, que ele selecionara pela competência e pela eficácia, em vez de criar um império completamente novo -, subvertia todas as convenções das doações. Nenhum grande benfeitor fez nada parecido antes...

(...) O menino que não deixava que sequer tocassem no armário onde guardava as moedas finalmente se transformara num homem que poderia entregar dezenas de bilhões nas mãos de outra pessoa. No discurso em que fez o anúncio, Buffett disse:

Há pouco mais de 50 anos eu me sentei com sete pessoas que me entregaram 150 mil dólares para administrar, numa pequena sociedade de investimentos. E aquelas pessoas julgaram que eu poderia fazer melhor do que elas mesmas o trabalho de juntar uma fortuna para elas.

Cinquenta anos depois, eu me sentei novamente e me perguntei quem poderia fazer melhor do que eu o trabalho de distribuir essa riqueza. Na verdade, é algo incomum. As pessoas não têm normalmente uma segunda chance para sentar-se e refletir. Estão sempre perguntando: quem deveria cuidar do meu dinheiro? E estão sempre dispostas a entregar suas economias a pessoas que demonstram certo talento. Mas não parecem pensar nisso com muita frequência quando se trata de filantropia. Deixam para companheiros de negócios ou qualquer outra pessoa a missão de administrar a riqueza quando partirem, ou seja, quando sequer poderão observar o que está acontecendo.

Assim, me considero muito sortudo, porque a filantropia é mais difícil do que os negócios. Ela enfrenta problemas importantes, que pessoas com intelecto e dinheiro enfrentaram no passado e tiveram dificuldades para resolver. Assim, a procura por talentos em filantropia deveria ser até mais importante do que a procura por talentos nos investimentos, onde o jogo não é tão duro’.

Buffett falou então sobre a Loteria do Ovário:

Tive muita sorte de ter nascido em 1930 nos Estados Unidos. Tirei a sorte grande na loteria no dia em que nasci. Tive pais maravilhosos, uma boa educação e fui favorecido de uma maneira que rendeu benefícios desproporcionais na nossa sociedade em particular. Se eu tivesse nascido muito tempo atrás, ou em outro país, minhas qualidades particulares não teriam rendido tanto. Mas num sistema de mercado, onde estar preparado para alocar capital é uma coisa importante, é possível receber benefícios como em nenhum outro lugar.

Durante todo esse tempo achei que o dinheiro era apenas cheques pré-datados que deveriam voltar para a sociedade. Não sou fã das dinastias de fortunas, particularmente quando a alternativa é poder dar a 6 bilhões de pessoas, com menos condições de vida, os benefícios desse dinheiro. E minha mulher concordava comigo’.

(...) Os efeitos do anúncio feito por Buffett foram imediatos e significativos. Jackie Chan, o ator de Hong Kong, anunciou que daria metade de sua fortuna. Li Kashing, o homem mais rico da Ásia, destinou um terço dos seus 19 bilhões de dólares para a sua própria instituição de caridade. Carlos Slim, o monopolista das comunicações no México, ridicularizou Buffett e Gates pela filantropia, mas alguns meses depois deu uma reviravolta e anunciou que também faria grandes doações.

(...)

Warren Buffett, o homem nada simples com gostos simples, agora tinha a vida simples do homem que ele sempre acreditara ser. Tinha uma mulher, dirigia um carro, ocupava uma casa que não era redecorada fazia anos, cuidava de um negócio e passava cada vez mais tempo com a família.

Buffett sempre disse que as árvores não crescem até chegar ao céu, mas formam novos brotos.

(...)

As árvores não crescem até atingir o céu, mas Buffett sentia que podia ajudar os novos brotos a se enraizarem. Ele nunca perdeu seu foco nos negócios, mas, ao contemplar a forma ideal de passar o resto de sua vida, foi novamente mobilizado pelo desejo de pregar. Já havia algum tempo que vinha fazendo palestras para estudantes universitários, viajando até as faculdades ou recebendo-os em Omaha. Gostava de conversar com os estudantes, porque eles ainda não tinham cristalizado os seus hábitos. Ainda eram jovens o bastante para tirar benefícios de suas palavras.

'Comecei minha pequena bola de neve muito cedo. Se tivesse iniciado 10 anos depois, estaria numa situação muito diferente, em outro lugar da colina que ocupo agora. Portanto, recomendo aos estudantes que comecem o jogo um pouco antes - não precisa ser muito antes, mas é melhor não começar depois dos outros. E os cartões de crédito, lembrem-se, realmente atrasam a partida'.

As perguntas que os estudantes faziam geralmente avançavam para territórios além dos negócios. Qual o objetivo da vida? Alguns queriam saber... Ele respondia a esta pergunta da mesma forma que respondia àquelas relativas aos negócios: de forma matemática. Como dissera aos estudantes de Georgia Tech: 'O objetivo da vida é ser amado pelo maior número de pessoas possível entre aquelas que você deseja que amem você'.

Como a sociedade deveria ser organizada? Ele falava sobre a Loteria do Ovário. Como posso encontrar o cônjuge perfeito? ‘Case-se’. (Ele não estava falando de dinheiro). Como posso saber o que é certo? Siga seu placar interno’. O que devo fazer em relação à carreira? ‘Encontre alguma coisa pela qual seja apaixonado. E só trabalhe com pessoas de quem goste. Se você trabalha todos os dias com o estômago embrulhado, está no lugar errado’.

Contava a eles sobre o gênio: Tratem seu corpo como se fosse o único carro que terão. Mimem esse carro. Guardem-no na garagem todas as noites, consertem todos os amassados e troquem o óleo todas as semanas’.

Então levava todos para almoçar ou jantar no Gorat’s, e todo mundo se refestelava com bifes e batatas nas mesas de fórmica arranhada, como se o gênio tivesse aberto exceção às suas regras. Enquanto comiam, levantavam-se, um de cada vez, e iam tirar um retrato com Warren Buffett. Algum dia, talvez dali a 40 anos, quando afirmassem que tinham conversado à mesa de jantar com o oráculo de Omaha, seus netos acreditariam.

O que ele lhes passava eram as lições que aprendera no desenrolar de sua própria vida...

(continua)

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